Falcoaria: para que serve?
Talvez você já tenha se deparado alguma vez, durante algum programa ou documentário, com pessoas que comandam falcões. Independentemente de onde você tenha provavelmente visto, percebeu o quão difícil e intrigante aquilo é e logo pensou se, de fato, é possível; mas a resposta é sim, e esta arte antiquíssima na história da humanidade se chama falcoaria.
Índice
O que é a falcoaria?
Resumidamente, a falcoaria consiste na captura de uma presa selvagem por meio do uso de aves de rapinas (águias, falcões e gaviões, por exemplo) treinadas para diferentes tarefas. Esta prática, que é considerada um Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade desde 2010 pela UNESCO, tem presença na Ásia Central há mais de 6 mil anos.
Em Bayan Olgii, na Mongólia, os cazaques étnicos que formam a maioria da população nesta região ainda preservam o estilo antigo de vida que deixa de fora a sociedade moderna por meio de, principalmente, o treinamento de aves para serem usadas em caça enquanto montados a cavalo.
É uma tradição extremamente antiga e, portanto, histórica na Mongólia. O famoso líder do império mongol, Genghis Khan, e posteriores, como Kublai Khan, também tinham à sua disposição várias aves de rapina para caça. A falcoaria na Mongólia foi documentada sobretudo por Marco Polo em suas viagens aventureiras pela Ásia.
Em Olgii, durante o mês de setembro, ocorre um festival de caçadores falcoeiros, em que eles competem por prêmios, como dinheiro. Como um velho provérbio dos cazaques diz, “cavalos velozes e águias ferozes são as asas do povo cazaque”.
Curiosamente, além da tradição de treinar aves de rapina para a caça, acredita-se que o começo do adestramento de cavalos tenha se iniciado, também, na região do Cazaquistão.
O exercício da falcoaria transforma a ligação entre ave e homem em um vínculo inseparável e poderoso, faz com que a conexão seja forte e influencie abertamente o comportamento do falcão quando ordenado. Provavelmente, o ponto mais forte do esporte é o desenvolvimento da relação homem-ave para alcançar-se uma harmonia.
Apesar de ser considerado um esporte incomum e raro, a falcoaria é praticada mundialmente, mormente nos países da Ásia Central (Cazaquistão, Uzbequistão e etc), no Reino Unido, nos Estados Unidos, no Irã e na Arábia Saudita.
A história da falcoaria
Agora que está claro o que é a falcoaria, também é importante e de sumo interesse entender sua origem e como ela chegou ao Ocidente. Esse esporte está presente na história da humanidade desde os tempos pré-históricos, inclusive sendo representado em pinturas rupestres (das cavernas).
Estelas (pedras erguidas com desenhos e/ou inscrições) criadas pelos povos hititas que datam do século XIII a.C. demonstram a falcoaria, tendo surgido na Ásia. É possível que também compartilhe sua origem com a China, já que alguns textos de origem chinesa e japonesa documentam o esporte antes da Era Cristã.
A representação da falcoaria mais antiga conhecida foi encontrada no Irã, em Korshabad, que os arqueólogos acreditam descrever a arte de treinar falcões, pois o baixo-relevo assírio apresenta um suposto falcoeiro com um falcão em seu pulso.
Várias outras maneiras de documentar a falcoaria foram encontradas e estudadas, e isso deixa claro o quão longeva é a prática e demonstra que, desde muito tempo, o treinamento de falcões para caça e esporte foi desenvolvido pelo ser humano.
Durante as Cruzadas, muitos mercadores e cruzados entraram em contato com a falcoaria no Oriente Médio, logo acharam a prática fascinante e levaram consigo aves e falcoeiros para a Europa.
O esporte cresceu bastante na Europa Ocidental e nas ilhas britânicas durante a Idade Média e era um esporte bastante popular nas classes mais poderosas e privilegiadas da Europa, pois transmitia status social das altas classes do Velho Continente.
Entretanto, no século XVII, elementos como a escopeta, o cerco de terras abertas e convulsões sociais contribuíram para a diminuição da falcoaria nas cortes e em outras famílias poderosas da Europa. A falcoaria apenas sobreviveu no continente europeu graças à criação de clubes falcoeiros por entusiastas do esporte.
Diversos clubes falcoeiros foram criados pelos países europeus, como “A Sociedade dos Falcoeiros da Grã-Bretanha”, no Reino Unido, em 1770, mas que teve seu fim em 1838, devido à morte do diretor do clube.
Em decorrência do fim do clube da Grã-Bretanha e por outras razões, o centro da falcoaria inglesa se mudou para os Países Baixos e, em 1839, o Loo Hawking Club, um grupo anglo-holandês, formou-se com o auxílio do príncipe holandês herdeiro do trono (aquele que se tornou o rei Guilherme II).
Porém, mais uma vez, o clube teve seu fim após o patrocínio da família real ser retirado em 1853. A falcoaria apenas conseguiu se manter viva na Inglaterra graças a falcoeiros profissionais e amadores e a entusiastas.
Clubes falcoeiros também foram criados não apenas na Inglaterra, mas também na França, como o clube francês de Champagne, que teve seu fim em 1870, mas o esporte continuou organizado pela “Association Nationale des Fauconniers et Autoursiers” (Associação Nacional de Falcoeiros e Adestradores).
Na Alemanha, o “Deutscher Falkenorden” (A Ordem Falcoeira Alemã) foi fundado em 1923 e ainda permanece na ativa até os dias atuais.
Falcoaria no Brasil
No Brasil, já é possível encontrar falcoeiros profissionais. A falcoaria ainda é um ponto um tanto polêmico quando se envolve o IBAMA, mas há um certo reconhecimento dos benefícios que a falcoaria pode trazer para as aves, pois não é somente um esporte, já que também pode ser usado como um meio de reabilitação para os pássaros.
A falcoaria é empregada no controle de pestes nocivas em plantações, pragas em aeroportos, hospitais e em faunas e, claro, tudo isso organizado e realizado por equipes capacitadas de falcoeiros. Este meio para combater pragas também se mostrou ser ecologicamente positivo e com grande eficácia.
Assim como visto na Europa, também existem, no Brasil, associações responsáveis por essa arte milenar. A mais conhecida é a Associação Brasileira de Falcoeiros e Preservação de Aves de Rapina (ABFPAR), criada em 1997. A ABRPAR debate e luta desde muito tempo para uma regulamentação da arte no país.
Além da ABFPAR, há a Associação Nordeste de Falcoeiros e Preservação de Aves de Rapina, fundada em 2014, formada por membros da ABFPAR com o objetivo de difundir mais o esporte pelo Brasil.
O primeiro grupo feminino de falcoeiras (Falcoeiras-BR) do Brasil foi fundado em 2015.
Tipos de aves usadas na falcoaria
Apesar de o termo falcoaria remeter, à primeira vista, apenas a falcões, não apenas essas aves são utilizadas na caça. O termo “falcão”, porém, pode ser empregado para se referenciar a qualquer pássaro treinado para a falcoaria, mesmo não sendo um falcão propriamente dito.
O principal objetivo de um falcoeiro é se aproveitar das habilidades de caça da ave. Todavia, o treino deve ser empregado para que a caça seja efetuada conjuntamente. Apesar de a finalidade do esporte ser universalmente essa, existem inúmeras variações do método de caça, porque depende de vários fatores, como a espécie da ave e o terreno.
Como os falcões e águias são muito independentes, eles devem ser treinados para que criem confiança na pessoa que treina a ave e, por isso, aves de rapina mais jovens são mais facilmente domesticadas.
Contudo, embora treinar aves mais novas desde cedo seja uma tarefa mais simples, as aves mais velhas são mais experientes e, portanto, superiores quando se trata de caçar, pois suas habilidades estão mais desenvolvidas.
De acordo com os cazaques de Olgii, na Mongólia, falcões fêmeas são melhores caçadoras que os machos, porque são mais agressivas e maiores.
As aves podem ser divididas em três grupos: envergadura longa (longwing), envergadura ampla (broadwing) e envergadura curta (shortwing).
Envergadura longa
Como o nome demonstra, os falcões de envergadura longa possuem grandes asas e caudas longas e pontiagudas e contam com um bico curto em formato de gancho. Estas aves são perfeitas para o abate de uma presa em campo aberto.
Exemplos: falcão-da-pradaria, falcão-peregrino e peneireiro-americano.
Envergadura ampla
São as que seriam semelhantes a aves como urubus, mas águias também podem entrar nesta categoria, pois possuem amplas asas e corpos grandes e pesados que lhes possibilitam uma altura bastante acentuada e um mergulho fatal para a presa. Geralmente, são aves adequadas para a caça de animais de grande porte.
Exemplos: gavião-de-cauda-vermelha, gavião-ferrugem e gavião-harris.
Envergadura curta
Têm ao seu dispor asas curtas que permitem que elas façam manobras rapidamente, são adequadas para áreas densamente florestadas. Caçam, normalmente, pássaros menores e alguns animais terrestres.
Exemplos: açor e falcão-do-tanoeiro.
Quanto custa um falcão e como ser um falcoeiro?
O valor das aves e dos equipamentos está intrinsecamente ligado à possibilidade de se tornar um falcoeiro. Afinal, os valores não são tão amigáveis assim, pois consiste em um esporte realmente raro e delicado, porque envolve animais muito exóticos.
O valor dos falcões pode variar muito, pois há o fator espécie, com preços de R$ 1 mil a mais de R$ 10 mil. Na falcoaria, geralmente, as aves fêmeas são mais caras que os machos, pois, como explicado anteriormente, em alguns casos, elas são mais agressivas e, muitas vezes, maiores.
Uma ave muito comprada na falcoaria brasileira é o falcão quiriquiri (falco sparverius) , que custa de R$ 1 mil a R$ 1800. Já o pássaro falco femoralis argentino tem um preço em torno de R$ 5 mil.
Um exemplo para demonstrar que as fêmeas são mais caras é o falco femoralis brasileiro (o argentino é maior, portanto mais caro), com exemplares que custam de R$ 1500 a R$ 3 mil, sendo mil a R$ 1500 a R$ 1800 o valor dos machos e, desse preço para cima, as fêmeas.
As espécies mais caras são o falco peregrinis cassini peruano, de R$ 5 mil a R$ 7 mil, e o falco peregrinis cassini argentino, com valores de R$ 5 mil a R$ 12 mil. Além disso, há outros pássaros que têm um valor semelhante ou mais elevado.
Curiosamente, não somente águias e falcões são empregados na falcoaria: atualmente, as corujas também têm sido utilizadas e têm uma certa taxa de sucesso.
Além do valor da ave, existem também os custos em relação aos equipamentos, que podem ter um preço de R$ 500. Isso sem contar a alimentação para o mascote, com preços de R$ 50 a R$ 300. Ademais, há também os gastos com veterinários, para caso a ave fique doente e precise de cuidados.
E, claro, não houve menção de outros custos, como um profissional para ajudar e ensinar a você as técnicas.
A jornada para se tornar um falcoeiro deve ser incrível, interessante e diferente de tudo que você conhece, mas, de fato, os valores devem ser levados em consideração para saber se realmente é possível para você começar este novo hobby.